Escolhe as fitas. Há azuis, encarnadas, douradas…
Chama-se Samuel e nasceu num campo de refugiados algures numa montanha onde não se festeja o Natal, onde o Natal nunca chegou, nem o Natal nem outras coisas que o Samuel nem calculava.
Porque não nascemos todos iguais, o Samuel não se conformou e descobria sempre mais qualquer coisa melhor que os outros para comer, para o obrigar a fazer exercícios mentais. Gostava de ouvir as pessoas mais velhas, de observar a curandeira, de ver nascer o Sol e de esperar pelo espectáculo de o ver a pôr-se. Foi por isso que o Samuel se salvou. Todos repararam no mais desgraçado do campo de refugiados mas todos desviaram logo o olhar. Mandaram que alguém do campo tratasse dele, era muito doloroso. Mas o Samuel não. Estava lá como os outros mas tinha bom aspecto. Não se sabe porquê mas ele tinha tratado da mente, que o espelho dos olhos é o mais fiel que existe. Até a cara tinha lavada, lavava-a todos os dias para a eventualidade de... Não dizia nada e concentrava toda a atenção no que se passava à sua volta.
O João ia passar o Natal, que estava próximo, a casa e sentiu-se cativado. Parecia que o miúdo estava ali à sua espera e que ele só tinha ido ali por causa dele. Olhou em volta e lembrou-se – não posso modificar o mundo, mas posso melhorar-me e melhorar pelo menos alguém.
Se o Samuel fizesse parte daquele cenário, se estivesse como os outros, ele nunca se lembraria de o levar. Mas o Samuel não. Era o único que não era dali. Como ele. Tinham mais dívidas saldadas do que todos ali que desde que tivessem paz e comida não se adaptariam noutro lugar.
Quando no primeiro dia de Missão o João recolheu ao quartel, o Samuel deu-lhe a mão, foi com ele assim até ao jipe. Depois ficou a acenar-lhe até ele desaparecer e a dizer baixinho até amanhã, até amanhã, até amanhã como costumava dizer ao Sol, quando ele desaparecia no firmamento.
Nesse dia o João começou a tratar das coisas para levar com ele o Samuel.
- Já percebo porque vim aqui – Disse ele ao colega com quem bebia uns copos à noite e sabia da sua pouca vocação. Mas não acrescentou mais nada. O que ele teve que tratar não interessa, ele já se esqueceu até. O Samuel veio com ele. Encontrei-o há dias e é um rapaz normal, simpático, afável, equilibrado.
Perguntei-lhe quando fazia anos e ele disse-me que fazia anos no Natal. Que foi a primeira palavra que aprendeu a dizer em português. Que todos os anos no Natal se ocupa pelo menos de uma pessoa para a fazer feliz. Que o Natal para ele tem um significado especial, porque foi quando ele nasceu e está contente porque se sente bem com ele, porque lhe foi dada a oportunidade de também dar prazer a outras pessoas, que os estudos lhe correm bem, que ele mesmo se ocupa de embrulhar os presentes no Natal e tratar de fazer o presépio e a árvore de Natal. Que convoca toda a gente.
Disse-me que te convocasse.
- Que bom teres vindo, põe no cimo da árvore este sino dourado com a fita vermelha.
26 De Novembro de 2008
Nota: A Luz e o João, a Madalena e o António do conto do ano passado estão bons e desejam-vos também Boas Festas.
Chama-se Samuel e nasceu num campo de refugiados algures numa montanha onde não se festeja o Natal, onde o Natal nunca chegou, nem o Natal nem outras coisas que o Samuel nem calculava.
Porque não nascemos todos iguais, o Samuel não se conformou e descobria sempre mais qualquer coisa melhor que os outros para comer, para o obrigar a fazer exercícios mentais. Gostava de ouvir as pessoas mais velhas, de observar a curandeira, de ver nascer o Sol e de esperar pelo espectáculo de o ver a pôr-se. Foi por isso que o Samuel se salvou. Todos repararam no mais desgraçado do campo de refugiados mas todos desviaram logo o olhar. Mandaram que alguém do campo tratasse dele, era muito doloroso. Mas o Samuel não. Estava lá como os outros mas tinha bom aspecto. Não se sabe porquê mas ele tinha tratado da mente, que o espelho dos olhos é o mais fiel que existe. Até a cara tinha lavada, lavava-a todos os dias para a eventualidade de... Não dizia nada e concentrava toda a atenção no que se passava à sua volta.
O João ia passar o Natal, que estava próximo, a casa e sentiu-se cativado. Parecia que o miúdo estava ali à sua espera e que ele só tinha ido ali por causa dele. Olhou em volta e lembrou-se – não posso modificar o mundo, mas posso melhorar-me e melhorar pelo menos alguém.
Se o Samuel fizesse parte daquele cenário, se estivesse como os outros, ele nunca se lembraria de o levar. Mas o Samuel não. Era o único que não era dali. Como ele. Tinham mais dívidas saldadas do que todos ali que desde que tivessem paz e comida não se adaptariam noutro lugar.
Quando no primeiro dia de Missão o João recolheu ao quartel, o Samuel deu-lhe a mão, foi com ele assim até ao jipe. Depois ficou a acenar-lhe até ele desaparecer e a dizer baixinho até amanhã, até amanhã, até amanhã como costumava dizer ao Sol, quando ele desaparecia no firmamento.
Nesse dia o João começou a tratar das coisas para levar com ele o Samuel.
- Já percebo porque vim aqui – Disse ele ao colega com quem bebia uns copos à noite e sabia da sua pouca vocação. Mas não acrescentou mais nada. O que ele teve que tratar não interessa, ele já se esqueceu até. O Samuel veio com ele. Encontrei-o há dias e é um rapaz normal, simpático, afável, equilibrado.
Perguntei-lhe quando fazia anos e ele disse-me que fazia anos no Natal. Que foi a primeira palavra que aprendeu a dizer em português. Que todos os anos no Natal se ocupa pelo menos de uma pessoa para a fazer feliz. Que o Natal para ele tem um significado especial, porque foi quando ele nasceu e está contente porque se sente bem com ele, porque lhe foi dada a oportunidade de também dar prazer a outras pessoas, que os estudos lhe correm bem, que ele mesmo se ocupa de embrulhar os presentes no Natal e tratar de fazer o presépio e a árvore de Natal. Que convoca toda a gente.
Disse-me que te convocasse.
- Que bom teres vindo, põe no cimo da árvore este sino dourado com a fita vermelha.
26 De Novembro de 2008
Nota: A Luz e o João, a Madalena e o António do conto do ano passado estão bons e desejam-vos também Boas Festas.
Paula
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